A atenção humana foi hackeada e isso pode ter mais efeitos do que você imagina
Em 2017, o então presidente-executivo da Netflix, Reed Hastings, disse que o maior concorrente do streaming era o sono, “a incômoda necessidade humana de fechar os olhos e dormir um terço do dia”. A declaração foi dada durante uma teleconferência de resultados da empresa, após Hastings ser questionado a respeito de seus concorrentes, como Amazon e a HBO, com os quais ele disse não estar preocupado.
“Quando você assiste a um programa da Netflix e fica viciado nele, você fica acordado até tarde da noite. Estamos competindo com o sono, na margem. E é um período de tempo muito grande.”
Reed Hastings
De fato, que atire a primeira pedra quem nunca se viu lutando contra o sono para assistir “só mais um episódio” ou “só mais dez minutos” de um programa, um filme, um vídeo nas redes sociais. E quando se deu conta, horas já haviam se passado e, muitas vezes, o dia já tinha até amanhecido.
Não é à toa que o tempo parece estar passando rapidamente. Já existem alguns estudos que associam o excesso de tempo diante das telas à maior falta de percepção sobre o tempo.
Mas não, o ano não está passando mais rápido, essa sensação está relacionada à fragmentação da nossa atenção. Nossos “só mais dez minutos” estão sendo fatiados em pedaços cada vez menores, em segundos em alguns casos, e sendo disputados como mercadoria nas prateleiras de um supermercado: é a economia da atenção.
Na era da informação e da tecnologia, a atenção humana se tornou um recurso escasso e valioso, portanto passou a ser mercantilizado. Daí o termo “economia da atenção”, cunhado em 1970 pelo economista, psicólogo e cientista político Herbert Simon.
Somos constantemente bombardeados com informações, distrações e estímulos diversos. Isso porque as empresas, governos e outras organizações estão competindo para capturar e reter a nossa atenção, por meio de estratégias de marketing, publicidade e design de produtos.
“Isso abrange todo um aparato tecnológico behaviorista, ou seja, de comportamento tecnológico, que se apropria de funções humanas para que a gente preste atenção naquilo que não necessariamente gostaríamos de prestar atenção”, explica Genesson Honorato, que é psicólogo, professor, palestrante e consultor especialista em liderança e Recursos Humanos.
Ele destaca que a economia da atenção se beneficia da era dos dados, uma vez que as empresas usam informações coletadas para atrair a atenção das pessoas de maneira mais eficaz. Isso ocorre por meio de personalização de conteúdo, publicidade direcionada, métricas de engajamento, algoritmos de recomendação, entre outros recursos.
Os dados permitem segmentar o público com precisão, sugerir conteúdo relevante e medir o desempenho, tornando a competição pela atenção mais intensa e eficiente. No entanto, isso também levanta preocupações sobre privacidade e ética na coleta e uso de dados pessoais.
“É a economia dos dados”, diz Honorato. “Quanto mais você está conectado, mais dados eu (empresa) estou capturando. Quanto mais você está com o celular na mão, mais eu entendo seu comportamento, mais eu entendo o que você está sentindo. Saímos da economia demográfica e passamos para a psicográfica, onde eu (empresa) sei seus sentimentos.”
A competição constante por nossa atenção, alimentada pela tecnologia e pelas mídias digitais, pode levar à distração, estresse, ansiedade, dependência de dispositivos, comportamentos viciantes e a uma série de impactos negativos na saúde mental.
Uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) revelou que o abuso de telas e de tempo nas redes sociais provoca doenças mentais. Especialistas estão chamando o problema de auto distorção digital.
Uma outra pesquisa, Panorama Mobile Time/Opinion Box, aponta que o Brasil é o segundo país com maior tempo de tela: passamos, em média, nove horas por dia na frente delas.
Inegavelmente, estamos cada vez mais conectados, cada vez mais olhando para as telas.
“Gosto de chamar o celular de uma arma de desatenção em massa”, comenta Honorato, que se preocupa com os efeitos que a economia da atenção pode estar provocando na sociedade.
“Isso tem gerado solidão, fragmentação das relações, adoecimento mental, depressão e ansiedade em massa, afastamento das pessoas, polarização. Isso é fruto dessa infodemia, esse número de informações as quais vamos nos expondo sem refletir sobre o efeito disso em nossas vidas.”
Alguns estudos têm sugerido que o uso excessivo desses novos meios de comunicação oferecem riscos principalmente à saúde dos mais jovens. Isso inclui problemas como hiperatividade, desatenção, prejuízo na qualidade de vida, aumento de problemas com autoestima, problemas sociais e comportamentais, sedentarismo, depressão e sofrimento psicológico em crianças e adolescentes.
Um levantamento bibliográfico publicado pela Fiocruz indica que o tempo de tela está associado à qualidade do sono em 90% dos estudos analisados. Há ainda estudos que associam o uso das telas por crianças entre 9 e 10 anos ao transtorno da compulsão alimentar.
Faça uma reflexão: no final do dia, calcule quanto tempo gastou diante das telas, aproximadamente, especialmente nas redes sociais. Depois, faça um levantamento mental de todas as coisas que viu: as publicações de amigos nas redes, os e-mails trocados, os anúncios assistidos (ou pulados), os vídeos (longos e curtos).
Você consegue se lembrar de tudo?
A menos que seja uma pessoa low profile e que gasta pouco tempo diante das telas, é bem provável que não se lembre de muita coisa. Você estava ali, vendo, mas não absorvendo.
Parece contraditório que, na economia da atenção, não sejamos capazes de absorver tudo que as marcas colocam diante de nossos olhos. Mas isso se deve justamente ao excesso de estímulos, que dificultam cada vez mais a nossa capacidade de concentração.
Não se dar conta do tipo de conteúdo que consumimos nos deixa entregues aos algoritmos, mais vulneráveis aos gatilhos e artifícios de marketing.
“Precisamos prestar atenção no que estamos prestando atenção, inclusive para que tomemos consciência de nós mesmos”, alerta Genesson Honorato.
Como bem disse o ex-designer do Google, Tristan Harris: “se você não está pagando pelo produto, então você é o produto”. É inocente pensar que é gratuito baixar aplicativos e viver entregue ao que os algoritmos direcionam. Há uma contribuição humana que ajuda a engajar um mercado bilionário que não necessariamente está preocupado com os efeitos disso tudo no indivíduo.
No começo de 2022, a Meta registrou uma redução no número diário de usuários ativos do Facebook pela primeira vez na história. Em outubro do mesmo ano, um relatório interno do X (então, Twitter) revelou que seus usuários mais engajados estavam publicando menos.
Esses números não necessariamente refletem uma diminuição do uso de redes sociais. Talvez as pessoas estejam apenas mais dispersas em diferentes plataformas, sem contar com a adoção crescente dos streamings (que, como já vimos, competem até mesmo com o nosso sono).
Mas também é verdade que muitos já se deram conta dos efeitos colaterais do mundo digital e não querem mais ser um produto na economia da atenção. A questão é: de volta ao mundo real, o que sobra?
Depois de passar anos mantendo uma vida virtual paralela e, frequentemente, com mais manutenção que a vida real, como é voltar a estar offline?
“O uso das telas está fragmentando nossas relações. Se sairmos da internet, onde estamos?”, provoca Honorato. “Enquanto isso, pesquisas apontam que estamos ficando menos inteligentes, menos empáticos, o que vemos refletido na quantidade de hate online.”
Genesson Honorato fala mais sobre economia da atenção no RD Summit. Esse é o maior evento de marketing, vendas e inovação da América Latina, que acontece entre os dias 8 e 10 de novembro, em São Paulo.
Na palestra “A sua atenção foi hackeada”, o especialista explora como a economia da atenção está fragmentando as nossas percepções de mundo, a produtividade e as experiências, e como lidar com esse cenário.
A SOAP também marcará presença no evento com o stand “Indicadores movem mercados, mas histórias movem pessoas.” Saiba mais sobre o RD Summit!